Bom dia! Recentemente tive o privilégio de entrevistar o autor Mark Lawrence. Para quem não o conhece, Mark Lawrence é um escritor de fantasia, com dupla nacionalidade (norte-americana e britânica). Os seus livros já foram traduzidos em inúmeras línguas e ele é um best-seller internacional. Infelizmente, Portugal ainda não teve o privilégio de ser agraciado com traduções dos seus livros, mas, no Brasil, os seus estão a ser traduzidos pela Darkside Books.
Lawrence é um dos meus escritores favoritos, não só pela maneira como elabora a prosa, não só pelos seus personagens mais negros, mas também pela elaborada e desafiante história que apresenta.
Como podem imaginar, entrevistá-lo foi uma honra e tratou-se de uma experiência única.
Deixo aqui, então o texto traduzido da entrevista:
Mark Lawrence é um escritor de fantasia e é o autor da “Trilogia dos Espinhos” (The Broken Empire Trilogy), traduzida para português do Brasil pela Darkside Books, e também é o autor da “Guerra da Rainha Vermelha” (The Red Queen’s War), a sua mais recente trilogia. O último volume desta trilogia: “The Wheel of Osheim” sairá em Junho de 2016. Lawrence também já tem outra trilogia com acordo de lançamento, “The Red Sister” (A Irmã Vermelha).
Antes de mais, muito obrigado por ter tirado algum tempo do seu horário para esta entrevista. É uma honra para mim ter a oportunidade para lhe fazer algumas perguntas, especialmente porque sou um enorme fã do seu trabalho.
Vamos começar a falar sobre as suas obras.
P1 – Eu sei que o Jorg (personagem principal da “Trilogia dos Espinhos”) é baseado em Alex de “A Laranja Mecânica” de Anthony Burgess, no sentido em que ele é o líder de um grupo de criminosos e que ele não tem qualquer problema em ser cruel e violento. Existe mais algum personagem na “Trilogia dos Espinhos” que seja baseado num livro, filme ou jogo?
R1 – Nem por isso. O que não deixa de ser uma resposta aborrecida! Creio que o Dr. Taproot é baseado num personagem de um jogo Play-by-mail (uma espécie de RPG como Dungeons & Dragons) que eu ajudava a gerir. Play-by-mail era “famoso” antes da Internet. “Saturnalia” tinha cerca de 1000 jogadores e na área que eu geria os jogadores encontravam o Dr. Taproot frequentemente.
P2- Quanto de um autor passa para o protagonista de uma história que estamos a contar? No meu caso, penso que o Drek’thar herdou, de certa forma, a minha maneira de avaliar o mundo e tem uma intelectualidade emocional muito semelhante à minha. O Jorg (“Trilogia dos Espinhos”) ou o Jalan (“A Guerra da Rainha Vermelha”) “herdam” alguns traços seus?
R2- Não creio que sim. Novamente uma resposta aborrecida. No entanto, parece existir uma certa suposição pouco sofisticada da parte dos leitores que um autor e o seu personagem são a mesma coisa. Alguns leitores levam esta noção para um nível em que começam a criticar um autor pelas coisas que o personagem faz. Já tive, seriamente, pessoas que pensavam que EU tratava as mulheres de forma atroz na vida real porque o Jorg o faz num dos livros. Julgo que isso acontece com actores também. Existem alguns elementos do público que ficam zangados com eles e que os tratam mal na rua porque o personagem que eles interpretaram na TV fez algo de errado.
P3- Eu sei que o Mark é um homem da Ciência. Eu também estudei Engenharia Informática, mas mantive sempre o meu amor pela Literatura e as Artes. Julgo que, ao estudar programação, o meu processo mental tornou-se mais “efectivo”. Consigo olhar para certos personagens ou pontos da história e saber como é que eles se vão desenvolver. É como saber o que queres que o teu programa faça, apenas te faltam alguns detalhes (funções, variáveis…). Até que ponto julga que a Ciência influenciou a sua escrita?
R3 – Bem uma vez foi-me oferecido um trabalho como professor num departamento de Engenharia Informática e tenho elaborado códigos (mal) durante muitos anos no meu trabalho. No entanto, a minha experiência de escrita tem sido bastante diferente da tua – o que apenas serve para mostrar que, embora a ciência possa ser prescritiva, a maneira como a escrita acontece é bastante pessoal e altamente variável. Eu não costumo, regra geral, planear as minhas histórias. “A Trilogia dos Espinhos” e “Guerra da Rainha Vermelha” não foram planeados. Não fazia ideia de como uma página iria acabar, nem como acabaria um capítulo ou um livro.
À parte de me equipar com um conhecimento geral para utilizar como recurso, e elaborar como a “magia” podia ser explicada, diria que não, a ciência não influencia a minha escrita. Existem elementos significativos do género de ficção-científica. No entanto, ficção-científica está à distância de um mundo do verdadeiro trabalho científico.
P4- George R. R. Martin uma vez disse que existem dois tipos de autores: o arquitecto e o jardineiro. O arquitecto planeia tudo antes do tempo, como se estivesse a construir uma casa, enquanto o jardineiro planteia a semente e observa-a a crescer e a ganhar os seus ramos. Qual é o tipo a que o Mark pertence?
R4- Jardineiro. Sem qualquer sombra de dúvida.
P5- “A Trilogia dos Espinhos” e “A Guerra da Rainha Vermelha” são contadas por personagens completamente diferentes, com personalidades distintas. Como é que a sua mentalidade mudou ao escrever esses personagens em específico? Houve algum momento em que pensou: “Se o Jorg estivesse aqui, ele simplesmente esfaqueava este tipo!”
R5- Não acredito que a minha mentalidade tenha mudado, no sentido em que tenha diferido muito de quando leio dos livros diferentes ou vejo dois filmes distintos. Eu tive que, certamente, manter uma imagem bastante clara do personagem que estava a retractar – mas esse é sempre o caso.
Mas sim, tive certamente ocasiões em que pensei que o Jorg lidaria com os desafios do Jalan de uma maneira completamente diferente!
P6 – Sempre soube que iria navegar pelos territórios da Rainha Vermelha? Ou foi algo espontâneo? Quando a introduziu pensou: “Este é um personagem muito interessante, deveria arranjar maneira de a conhecer melhor no futuro.”
R6- Não, eu não sou um planificador. Sentei-me um dia e disse a mim próprio: “ Preciso de escrever um novo livro…” Comecei a escrever e pouco depois a Rainha Vermelha apareceu.
Vamos agora falar um pouco sobre fantasia e sobre escrita.
P7 – A sua prosa é bastante aclamada pelos leitores e no passado referiu que costumava escrever poesia. Acredita que seja por isso que as pessoas a elogiam muito?
R7 – Ao escrever poesia, estás definitivamente susceptível ao poder da linguagem num nível mais pequeno, por ser linha a linha. Escrever prosa que as pessoas gostam requer um balanço delicado. Contadores de histórias costumam escrever prosa simples – estão mais preocupados em levar a história para o seio da cabeça dos leitores. É a história que vai excitar o leitor e fazê-lo regressar. Muitos escritores de sucesso são contadores de histórias e nada mais.
Não é preciso puxar da linguagem e tentar escrever de forma bela. Isso é perigoso porque pode incomodar o leitor muito rapidamente e fazê-lo ir embora. Muitas poucas pessoas gostam de ler poesia. Por isso, a arte consiste em capturar elementos da poesia mas usá-los espaçadamente, de maneira a produzir frases que façam as pessoas olhar duas vezes e que depois as queiram partilhar, mas que não sejam tão densas de maneira a se sobreporem à história.
P8 – Sabemos que a literatura está em constante evolução. Se olharmos para trás na História, vários movimentos artísticos sempre conseguiram influenciar os escritores. (Modernismo, Romantismo…) Julga que a Fantasia está a evoluir? Será que a Fantasia que é escrita nos dias de hoje é assim TÃO diferente da que era escrita há 50 ou mais anos?
R8 – Essa é uma pergunta que eu não estou muito qualificado para responder. Apenas leio uma pequena fracção do que existe por aí fora, e não costumo ler Fantasia que tenha sido escrita há 50 anos.
Tenho a certeza de que existem diferenças. Para mim, a Fantasia moderna parece-me menos estilizada e mais preocupada em retractar pessoas complexas e reais (embora extraordinárias). As histórias estão mais focadas nos personagens do que antes. Na Fantasia dos anos 80, o personagem era muitas vezes mais “vazio” porque servia muitas vezes como uma janela para o mundo e, assim, o mundo era a história. Mas existem sempre excepções à regra.
P9 – Qual é o sítio perfeito para a escrita, para si? E como é que a sua escrita acontece? Costuma ouvir música? Costuma escrever sozinho? E tem algum episódio engraçado sobre o processo de escrita?
R9 – Costumo escrever onde estou. Não preciso de um lugar especial, nem de rituais ou de música. Mas costumo estar sozinho quando escrevo.
Não tenho nenhuma história engraçada. É, no entanto, importante referir que escrevi “Prince of Thorns” (O primeiro livro da “Trilogia dos Espinhos”) em quartos de hospital, durante as altas horas da noite. A minha filha mais nova passou muito tempo em hospitais e eu estava sempre com ela. Se consegues escrever numa ala hospitalar, consegues escrever em qualquer lado.
P10 – Sei que o Mark é um ávido leitor de Fantasia, pois costuma ler uma quantidade enorme de outros autores e tem bastante conhecimento sobre o género. Quais são algumas coisas que gosta de ler em Fantasia e quais são algumas coisas de que não gosta?
R10 – Eu gosto certamente de ler Fantasia, mas sou um leitor muito lento. Apenas leio cerca de 10 livros por ano.
Os meus gostos tendem em alinhar com a opinião do público por uma larga margem. George R. R. Martin e o Patrick Rothfuss são bastante populares… e quando eu li os livros deles, gostei bastante. Não existem muitos exemplos em que a minha opinião e do público se diferenciassem muito.
Costumo gostar de livros que estão muito bem escritos. E isto quer dizer que se alguém é um óptimo contador de histórias mas escreve numa prosa desajeitada, perde-me facilmente.
Prefiro livros onde os personagens são interessantes por si próprios, em vez de apenas estarem ali para suportar o enredo, ao mesmo tempo que o enredo é um dos pontos fortes do livro.
Não sou muito fã de detalhes excessivos ou “world-building”( construção do mundo) muito extenso. No entanto, eu gosto da obra do George Martin, por isso...
Não sou muito fã de romance.
P11 – Presumo que lhe perguntem isto muitas vezes, mas decidi que lhe iria perguntar na mesma. Para mim, houveram alturas em que pensei: “Bem, esta história está uma porcaria, está terrivelmente mal escrita e nunca vai ser publicada.” No entanto, o que me fez continuar na altura, foi a promessa que fiz a mim próprio: “Se eu começar a escrever esta história. Se eu começar a escrever a história do Drek, vou ter que a acabar.” Costumo dizer que escrever este livro foi como escalar o Monte Everest com a minha mente, mas quando finalmente terminei, senti-me exausto mentalmente mas com um sentimento de realização que nunca tinha experimentado antes.
Algo deste género aconteceu consigo? E se sim, como é que o ultrapassou?
R11 – Não, isso não me aconteceu. E sim, costumam-me perguntar sobre motivação.
Eu nunca tive ambição de ser escritor. Não era uma coisa em que pensava quando era mais novo. Nunca me imaginei a segurar num dos meus livros ou a autografá-los para os meus escritores. Eu escrevi porque gostava – porque a minha imaginação inquieta me obrigava a isso.
Quando eu não tenho vontade de escrever… Não escrevo. Antes de ter contractos e pagamentos prévios a ideia de um livro que eu tinha começado a escrever não ser acabado não me incomodava. Não me teria sentido um falhado. Apenas me estava a divertir – parar porque uma coisa deixa de ser divertida não é um falhanço.
Algumas pessoas que querem ser autores vêem a escrita como algo que têm que sofrer e superar para o serem. Eu queria escrever – era o meu próprio propósito e fim.
Quero agradecer, mais uma vez, ao Mark Lawrence por me ter deixado entrevistá-lo e por ter tirado tempo do seu horário bastante preenchido para responder às minhas perguntas.
Espero que tenham gostado! Prometo mais novidades no futuro.